Musculação para recuperar qualidade de vida.
- Adippne
- 18 de jul. de 2018
- 5 min de leitura
Atualizado: 30 de jul. de 2018
A musculação é recomendada para os deficientes físicos, como complemento para recuperar e manter qualidade de vida.

Uma curva mal feita de motocicleta na Rodovia Raposo Tavares mudaria a vida de Marcelo Aires, hoje com 42 anos. Na época do acidente Marcelo, então com 30 anos, já praticava a medicina (formou-se em Presidente Prudente, com especialização em gastroenterologia e radiologia), adorava jogar futebol e praticava capoeira há nove anos. O choque contra a mureta de proteção causou uma lesão medular na oitava vértebra e, consequentemente, a paraplegia. “Fiquei 20 dias internado e mais três meses usando um colete para sustentação da coluna. Com o uso de medicamentos, como corticoides, engordei muito, fiquei inchado mesmo. Foi quando defronte ao espelho falei para mim mesmo que não ficaria daquele jeito. Minha cabeça estava boa, meus braços idem, decidi retomar a minha vida”, conta Aires. A primeira atividade que escolheu foi a natação, adaptando-se rapidamente na água. Porém, começou a ter pequenas lesões no ombro, no punho, caracterizando assim a necessidade de um reforço muscular. “Já no final de 2001, seis meses depois do acidente, intercalava a natação e a musculação. Em 2005, comecei a praticar corrida de rua e depois me apaixonei pelo triatlo.
Mas só consegui realizar tudo o que queria porque minha musculatura estava em dia”, diz. Hoje Marcelo faz musculação cinco vezes por semana, na unidade da Runner Club localizada no Butantã, zona oeste de São Paulo. “Tenho autonomia completa, moro sozinho, faço as transferências da cadeira para o carro, para o banho, não preciso de ninguém.Mantenho minha postura, evito escolioses, escaras. Brinco que a diferença entre os dias atuais e os anteriores ao acidente se resumem a duas coisas: não jogo mais bola nem faço mais amor em pé”, diverte-se Aires. Seu instrutor na Runner, Guilherme Maia, que é supervisor técnico da musculação na instituição, explica que cada caso é um caso. “Recebo o laudo médico assinado por um fisioterapeuta e por um médico fisiatra, faço a análise e procuro estabelecer uma programação baseada não só nisso, mas também na condição física que a pessoa apresenta. O Marcelo, por exemplo, já tinha uma musculatura desenvolvida,outros chegam aqui em condições piores, mas sempre seguimos em frente. Adaptamos aparelhos, faço uso de cintas para amarrar o deficiente ao aparelho, faço às vezes do apoio mesmo com as mãos nas costas, quando necessário, e vamos aumentando a carga progressivamente”, diz Maia que atende cerca de quinze deficientes físicos na Runner Club. Ele explica que o deficiente físico, especialmente o cadeirante, precisa trabalhar dois grupos de músculos: os grandes grupamentos, que são costas e peitoral; e os pequenos grupamentos, bíceps,tríceps, punho e ombro. “O ideal é que os exercícios sejam feitos pelo menos três vezes por semana e de forma intercalada, ou seja, se trabalhamos costas na última sessão, podemos priorizar o peitoral na seguinte ou os pequenos grupamentos. Como disse, não há uma regra específica, cada caso é um caso.”
AMBIENTE DESCONTRAÍDO
Nathália Fernandez, 22 anos, nasceu com paralisia cerebral o que a medicina chama de hemiplegia direita. Ou seja, tem uma alteração na coordenação motora fina, o que torna mais difícil a mobilidade, no caso dela, do lado direito do corpo. Dessa forma, encontra dificuldades para tarefas relativamente simples, como abrir um pacote de biscoitos, por exemplo. Quando criança, fez hidroterapia (fisioterapia na água), equoterapia (terapia com cavalos) e balé adaptado. “Comecei a fazer musculação em 2008, quando deixei de gostar das sessões convencionais de fisioterapia em clínicas especializadas. Optei por uma academia porque queria ser mais ativa nos exercícios e estar em um ambiente mais animado, pois até os minutos chatinhos de alongamento se tornam mais agradáveis em um lugar descontraído”, afirma Nathália, que frequenta a academia Bio Ritmo, unidade Higienópolis, duas vezes por semana, com sessões de uma hora cada. E ela é enfática com relação aos benefícios. “A fisioterapia deixa meu quadro estabilizado. Além disso, como tenho uma tendinite severa na mão esquerda, os exercícios se tornam preventivos e evitam que eu tenha dores. E, claro, me ajuda a ter autonomia para quase todas as tarefas básicas do dia a dia”.
ALTO RENDIMENTO
Soraia Alvarenga, 50 anos, teve poliomielite aos 8 meses de vida. Conseguiu dar seus primeiros passos com ajuda de aparelhos aos 5 anos. Hoje, tem a chamada Síndrome Pós-Pólio que contraiu aos 42, e desde então se utiliza da cadeira de rodas. Mas engana-se quem pensa que isso a fez desistir de seus sonhos. “Meu maior desejo com 14 anos era ter uma mesa de pingue-pongue. Hoje, com cinquenta, sou mesa-tenista paralímpica estou em 19º lugar no Ranking Mundial, 3º no Ranking Nacional e 1º no Ranking Paulista”, diz ela que frequenta a academia Bodytech do Shopping Eldorado duas vezes por semana para fazer musculação. “A musculação tem pra mim uma grande importância devido ao fato de ser atleta de alto rendimento. Tenho que sempre estar com força total para aguentar a carga de treinos e campeonatos”, fala Soraia, que também faz parte do Comitê de Apoio ao Paradesporto como Secretária Geral da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, em São Paulo. E ela vai mais longe, ao citar os benefícios obtidos no dia a dia. “A musculação me traz energia, força, disposição para enfrentar os obstáculos cotidianos como, por exemplo, subir rampas, andar de metrô, entre outros”. Porém, seu treinador na Bodytech, Rodrigo Nicoleti, chama a atenção para um detalhe importante. “Existem princípios do treinamento que devem ser respeitados independente da pessoa com deficiência praticar ou não esporte de alto rendimento. O programa de treinamento deve respeitar esses princípios, cada um terá seu programa especifico às suas necessidades, controlando quantidades e sobrecargas impostas”, diz Nicoleti.
CUIDADOS
Além dos cuidados mencionados por Nicoleti, o doutor Malcon Botteon, médico do esporte e fisiatra, e responsável pelo ambulatório de esportes adaptados da Rede de Reabilitação Lucy Montoro na unidade Morumbi em São Paulo, chama a atenção para outros aspectos. “A avaliação clínica é imprescindível. Quem possui doenças não controláveis, como pressão alta constante, glicemia idem ou doenças cardiovasculares não pode praticar a musculação. Mas é importante frisar que são doenças não controladas, ou seja, se a pessoa tem pressão alta, mas consegue regulá-la com a ajuda de medicamentos, ela estará apta ao exercício. Na verdade ele é até recomendável nesse sentido, porque além de ajudar a baixar a pressão, a musculação traz uma série de outros benefícios como regular a frequência cardíaca, diminuir a glicemia, ajudar na locomoção, na autoestima, protege as articulações, ajuda a prevenir a osteoporose, ajuda na digestão, melhora o sono, etc”. Botteon também chama a atenção para outra variável importantíssima, a biomecânica dos movimentos. “São três os sinais de que os exercícios estão sendo realizados de maneira equivocada. Dor, queda ou perda da funcionalidade para tarefas do dia a dia e inchaço e estalos nas articulações. Por isso é importante escolher bem o local para realizar seus exercícios e consultar um médico fisiatra a cada seis meses”, diz. Outro dado essencial.
A musculação é uma atividadeanaeróbica e deve vir acompanhada de exercícios na água e aeróbicos. “O ideal é que o deficiente faça exercícios de 3 a 6 vezes por semana, sempre alternando as atividades de musculação, com natação, handbikes ou corridas, por exemplo”. Para finalizar Botteon chama a atenção para um último aspecto, a nutrição. “Na verdade não há diferença entre deficientes ou não, a rotina ideal é que carboidratos sejam consumidos antes dos exercícios e depois também, acompanhados de proteína. É importante também a hidratação durante o treinamento e nunca se exercitar em jejum”.
Por Paulo Kehdi.
fonte REVISTA PARA SPORTS
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